quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Dia da Favela

Pela data, estou um pouco atrasado. Mas o tema é atual

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IBGE e Territórios Invisíveis

Não é de hoje que as pesquisas sobre a existência de favelas no Brasil dividem opiniões, gerando questionamentos por parte dos movimentos sociais, negação por parte dos gestores e interpretações divergentes pelo mundo acadêmico.

Por um lado, a atual pesquisa do IBGE revela a face cruel e dura da exclusão de contingentes humanos que se agregam como podem em espaços desorganizados, quase ou sem nenhuma infra-estrutura, constantemente estigmatizados pelos setores de imprensa e da mídia.

Por outro lado, revela ainda, a partir da negação dos gestores, a preocupação de afirmação de uma anistia das responsabilidades do poder público para com esses territórios, que são, na verdade, territórios da invisibilidade, com pessoas sem acesso aos direitos básicos de cidadania, por residirem numa espécie de "não lugar", sem CEP, CPF, RG, água encanada, sem fornecimento de energia elétrica, sem infra-estrutura, sem rota nas linhas de ônibus. Enfim, abolidos/despejados dos direitos. Sendo assim, essas comunidades ainda pleiteiam, em pleno século 21, o direito a ter direito.

A negação das favelas é "natural" em uma sociedade que, desde o seu nascimento, insiste também na negação das suas desigualdades, porque ignora e não dá visibilidade aos seus desiguais, assim como às causas dessas mesmas desigualdades. Para a sociedade é preferível incutir no imaginário do poder público, e até em grande parte das comunidades, outra nomenclatura. É como se num passe mágica, apenas com uma mudança de denominação, isso pudesse resolver a existência de bolsões de pobreza e injustiças de toda sorte pelos confins do Brasil.

A Cufa entende que não é negando ou assumindo esse processo de maquiagem social, como fazem, equivocadamente, alguns setores e gestores, chegando até a alterar o nome dessas comunidades, que se resolverá o problema. A questão não é de "embalagem", mas sim de conteúdo.

Por entender que cabe às comunidades a sua auto-definição e, mais que isso, a configuração da sua identidade coletiva, bem como dos seus destinos na promoção de uma vida melhor nas favelas, a Cufa criou em todo o Brasil o "Dia da Favela", que no Rio de Janeiro e em Fortaleza já é lei municipal. Com isso, queremos reafirmar a importância desse espaço social urbano e reforçar para as pessoas que nele vivem o sentimento de pertencimento e de identificação.

O "Dia da Favela" nasce para poder repatriar, para um território comum, milhares de cidadãos e cidadãs, exilados das benesses e riquezas do Brasil, sem nunca ter saído dele.

A data simbólica se projeta como um ato de afirmação de um espaço que antes era compreendido somente como o "não lugar", mas que agora vem à cena política buscar, por vias democráticas e institucionais, soluções para suas demandas, negando-se a se submeter a um violento, discreto e eficaz processo de "invisibilização" dos despossuídos desse país.

Comemorado todo dia 4 de novembro, o "Dia da Favela" representa também uma ressignficação da favela, pois o objetivo da Cufa, apesar de ser oriunda das favelas e ter nelas suas bases sociais e sua referência, é buscar um equilíbrio social. Sendo assim, transformar os estigmas que recaem sobre os habitantes dos “territórios invisíveis” é o eixo orientador das nossas buscas diárias, possibilitando assim a abertura de canais para que, sem intermediários, as comunidades possam se auto-representar e afirmar seus discursos, demandas e propostas para um Brasil melhor.

Entendemos que para solucionar uma demanda social é preciso em primeiro lugar assumi-la. Os dados da ONU - Habitat revelam que até 2020 teremos 1,4 bilhões de pessoas vivendo em favelas, número correspondente à população da China. Esperamos que até lá, antes de tentar frear ou negar esse processo, os gestores, a sociedade, os empresários e os movimentos sociais selem um pacto pelo reconhecimento desses territórios. Apenas assim poderemos pensar soluções, sem que isso abale a paz social.

O "Dia da Favela" é a mensagem política que emana dos “territórios invisíveis”, onde seus habitantes constroem um processo de superação, transformando dificuldades em oportunidades e estigma em carisma, assumindo o protagonismo (fica mais forte, em vez de se negando serem coadjuvantes) de sua própria história e se afirmando donos do seu destino.

Por: Preto Zezé, Articulador Nacional da Cufa.

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