sábado, 30 de janeiro de 2010

Prince-Ramus e a realidade



"Prince-Ramus fala da necessidade de aprender a manipular contratos, em compreender o valor-tempo do dinheiro, em trabalhar sobre estimativas orçamentais. E fala de uma coisa verdadeiramente lunática: estabelecer bases programáticas e trabalhar conjuntamente com o cliente no sentido de construir uma visão sobre os objectivos de projecto; e só depois iniciar um trabalho de concepção formal."

Para o arquiteto Daniel Carrapa, "não há outra forma de fazer arquitectura contemporânea. E sublinhar uma ideia que decorre do que expõe Prince-Ramus: que não há boa arquitectura sem um cliente sólido. Os exemplos de falhanço somam-se em nossa volta em obras bem recentes, públicas e privadas, seja pela presença de um mau promotor como pela sua ausência de participação. Não existe ilusionismo para contornar a necessidade de um processo colaborativo e participado, que comprometa arquitecto e promotor na tomada de decisões – e de boas decisões".

E prossegue, "o drama está em que este tipo de procedimento, não de projectar edifícios mas de pensar os próprios processos de fazer arquitectura, não só é completamente diverso do estabelecido no nosso mundo académico como é algo que esse mundo repudia com total displicência."

Concordo com ele. Temos inúmeros exemplos disso em nossas cidades e aqui no blog já tratamos disso: "Vila Viva", Centro Administrativo de Minas Gerais, Linha Verde...

Até quando iremos aturar?

Publicado originalmente na Crise [!].

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Terremoto Haiti

Em que pese que acredito que os governos (federal, estaduais e municipais do Brasil) deveriam atuar com a mesma eficiência em relação às enchentes e desabamentos desse ano e de anos anteriores (Angra dos Reis e Santa Catarina) que o Brasil agiu frente à catástrofe do Haiti, informo as contas correntes para doação às vítimas do terremoto.

Embaixada do Haiti no Brasil
Banco do Brasil
Agência 1606-3
Conta corrente 91.000-7
CNPJ 04170237/0001-71

Cruz Vermelha
HSBC
Agência 1276
Conta corrente 14526-84
CNPJ é 04359688/0001-51

Viva Rio
Banco do Brasil
Agência 1769-8
Conta corrente 5113-6
CNPJ 00343941/0001-28

Care Internacional Brasil
Banco Real-Santander
Agência 0373
Conta corrente 5756365-0
CNPJ 04180646/0001-59

Pastoral da Criança
HSBC
Agência 0058
Conta Corrente 12.345-53
CNPJ 00.975.471/0001-15

Vale a pena lembrar que os especialistas e as instituições afirmam que nas primeiras duas semanas, no mínimo, depois de uma catástrofe, o ideal é doar dinheiro ao invés de mantimentos, roupas, equipamentos e afins. Isto porque com o dinheiro em mãos, as instituições conseguem comprar e contratar pessoal com mais rapidez e de acordo com as necessidades. E a doação de objetos demanda uma logística que ainda ninguém possui.

Então, escolha a instituição de sua confiança e faça sua contribuição. Em relação aos desastres no Brasil, procure a Defesa Civil de seu Estado e faça sua doação.

Voltando ao primeiro parágrafo, penso que o Brasil poderia fazer muito mais para evitar as tragédias.

Só para se ter uma ideia, o "Brasil gastou R$ 1,3 bilhão em reconstrução e resposta a desastres em 2009, 10 vezes mais do que o investido para evitar enchentes e outras tragédias.” Jornal Estado de Minas 14/01/2010.

Sem falar que muitas cidades não possuem Planos Diretores e as que possuem, ou estão desatualizados e/ou não condizem com a realidade da cidade. Para falar o mínimo.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Novo Decreto de Direitos Humanos em debate

A mídia, de modo geral, está noticiando, e até certo ponto, criticando o Decreto de Direitos Humanos.

Não cabe, aqui, discorrer sobre o Decreto, mas chamo a atenção para um ponto. Quando o Decreto sugere:

“d) Propor projeto de lei para institucionalizar a utilização da mediação como ato inicial das demandas de conflitos agrários e urbanos, priorizando a realização de audiência coletiva com os envolvidos, com a presença do Ministério Público, do poder público local, órgãos públicos especializados e Polícia Militar, como medida preliminar à avaliação da concessão de medidas liminares, sem prejuízo de outros meios institucionais para solução de conflitos.”

Ora, é inconstitucional tal proposição, pois a Constituição Federal preconiza:

"Artigo 5º - XXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:
a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder;
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito."

Agora, se o cidadão tiver sua propriedade invadida, ele não poderá recorrer de plano ao Judiciário para apreciação? Se é ilegal a utilização da propriedade ou não, somente caberá ao judiciário decidir depois de instaurado o devido processo legal e os direitos ao contraditório e a ampla defesa.

Para que haja justiça na questão da função social da propriedade, notadamente nas cidades, não precisamos de mais leis. Basta que o Poder Público municipal cumpra o Estatuto das Cidades e promova uma gestão democrática da cidade.

Na questão de imóveis ociosos, desocupados, abandonados, inutilizados, subutilizados, basta a Prefeitura cumprir a Lei 10257/2001 (Estatuto das Cidades) mandando o proprietário parcelar, edificacar ou utilizar compulsoriamente o imóvel. Não obedecido, aplicar o IPTU progressivo. Não adiantando, desapropriar. Além, é claro, de elaborar democraticamente um Plano diretor. Simples assim.

"Demora muito!" Alguém pode pensar. Mas isso faz parte da democracia e raras as vezes que tal artigo da lei 10257/01 foi aplicada.

Antes de aplaudirmos edições de leis, vamos exigir o cumprimento das que já temos.

E aqui vale uma explicação. Não sou a favor da especulação imobiliária, muito antes pelo contrário. Não sou de direita nem de esquerda. Sou a favor da democracia e da aplicação correta das Leis. Quando falo mal do governo federal e municipal da minha cidade, Belo Horizonte - que também é de esquerda - algumas pessoas me chamam de "burguês, antisocial, a favor dos ricos e da opressão aos pobres".

É uma visão obtusa e tosca. Não me interessa se é de esquerda ou de direita. Critico, no blog, algumas ações do governo do Aécio e do Lacerda. Só procurar.

Não é mera questão de lados. O PT e cia., como disse o sociólogo Demétrio Magnoli, "renunciaram ao seu programa original, que persiste apenas na esfera simbólica e renunciaram aos seus princípios políticos". E isso é lamentável. Não fosse isso, as divergências seriam menores.

Desde que haja o adequado cumprimento da Lei, aplaudirei qualquer governo. Fora isso, é difícil.

Publicado originalmente na CRISE [!].

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Sobre enchentes e Estado 2

Abaixo está um texto do Engenheiro Geólogo, professor Edézio Teixeira de Carvalho que complementa o que disse no post anterior afirmando que tais desastres como os que ocorreu em Angra dos Reis não é uma "questão de agredir a natureza, mas de escolha urbanística errada".

Na mesma linha do post anterior e dos posts lincados, o professor Edézio salienta que antes de mudar a legislação urbana e ambiental, "engenheiros, urbanistas e geólogos, terão que acabar com a vida fácil de fazer como quer a lei e que reassumam a responsabilidade profissional que devem à sociedade".

Vamos ao texto:

A repetição de Monte Serrat (Santos), Ubatuba, Caraguatatuba; Petrópolis, Rio de Janeiro e Serra das Araras em 1966/67, casos que ultrapassaram em conjunto o milhar de fatalidades, provocando a criação do Instituto de Geotécnica, hoje Fundação Geo-Rio. Crônica que basta atualizar para ficar fiel ao que houve. Em Monte Serrat já houve evento em 1928; excluamos, pois, o aquecimento global dos culpados (aliás conveniente, que dilui culpas, simplifica promessas, distribui encargos vagamente endereçados). Excluo ilhéus que se arrumam como podem à volta de mansões, pousadas, marinas e barcos de pesca. Antes do comentário técnico dou volta ao cenário. Não concentro no Brasil a ira santa contra inoperância de governos e deseducação do povo. Em 2004 o tsunami varreu as costas do Índico e contabilizou 250.000 mortos. O Katrina colocou de joelhos o colosso americano, matou 1200 e feriu de morte o charme de New Orleans. Na Caxemira mais de 50000 morreram num terremoto. É o balanço geológico do impúbere século XXI. Na outra extremidade a gripe aviária em mais de 15 anos tinha levado menos de 200 e a gripe suína, como pandemia, tinha matado menos que a comum. Ninguém provocou o tsunami, promoveu o terremoto, ou deflagrou o Katrina. Os que morreram no Índico apenas estavam expostos, a maioria permanentemente, e a minoria fortuitamente em viagem de turismo; portanto não uma questão de agredir a natureza, mas de escolha urbanística errada; no caso nosso mais a romântica temeridade insuflada pela visão paradisíaca. Aliás, lembram-se das numerosas mortes em rios e cachoeiras no verão passado?

Deslizamentos na serra do mar no Rio tendem a ser mais ruinosos na fachada atlântica. Não é novidade porque ela tem vertentes mais altas que as voltadas para as margens do Paraíba do Sul; sua atividade é evidenciada nos imensos blocos esféricos de rochas ígneas, que rolam, e chapados, gnáissicos, que deslizam até base de suporte que os retenha; florestinha rala indica solo raso; grandes árvores enviam raízes por fendas ocupadas por solos profundos. Cuidado com tais associações, que escondem blocos flutuantes sob a mata.

Não criaria instituições específicas para evitar desastres futuros. Elas tendem a eternizar-se sem esgotar a razão de ser. Se fosse tocar na legislação, imporia trabalho rigorosamente compartilhado entre engenheiros, urbanistas e geólogos, acabando com a vida fácil de fazer como quer a lei para que reassumam a responsabilidade profissional que devem à sociedade. Criaria programas com prazos e metas envolvendo instituições existentes e antes de culpar o povo, ensinar-lhe-ia geologia para que aprenda a conviver com a terra. A revisão de toda a ocupação das serras deve apoiar-se no conhecimento técnico profundo, inspirar-se nas leis da natureza e ser usado para promover drástica revisão de legislação equivocada que impede o livre e comprometido trabalho profissional.


Publicado originalmente no jornal O TEMPO; O.PINIÃO; 06/01/10; p. 19

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Sobre enchentes e Estado


Não. Recuso-me a afirmar que mais um ano acaba. Acho que é mais adequado e coerente afirmar que mais um ano começa.

E 2010, como os anteriores, iniciou com notícias de enchentes, alagamentos, desabamentos e, infelizmente, mortes de norte a sul do país. Atingindo capitais e interior.

No blog há uma série de textos sobre o assunto. De como urbanizamos mal as cidades. Aliás, mais de 90% do blogue trata dessa questão.

E em alguns textos, abordo especificamente a questão da gestão das águas. E ouvi do governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, afirmou o óbvio ululante, claríssimo, insofismável, gritante que precisamos tratar a questão da ocupação do solo de outra maneira.

2010 é ano eleitoral e, por coincidência,lendo e relendo meus alfarrábios que encontro na arrumação de fim de ano, achei um texto que fala, dentre outras coisas, sobre cidadania.

E no referido texto, José Murilo de Carvalho (cientista político, historiador e “Imortal”), define com explêndida clareza o Brasil: “Inexistem entre nós a forte identidade nacional e a tradição de obediência rígida às leis, típicas da Alemanha. Nosso Estado, apesar de incluir em sua ideologia elementos incorporadores da tradição ibérica, não se cola à nação ou a qualquer tradição de vida civil ativa. Não é um poder público garantidor dos direitos de todos, mas uma presa de grupos econômicos e cidadãos que com ele tecem uma complexa rede clientelista de distribuição particularista de bens públicos”.

“E o que tem haver com alagamentos?”, algum impaciente leitor pode exclamar.

Como bem lembrou o professor José Murilo, vivemos em um país onde a ineficiência do judiciário e a inadequação do sistema policial excluem a maior parte da população do gozo dos direitos individuais. Além disso, a sociedade civil é apática, a imprensa é dúbia, o Executivo é dispensador paternalista de empregos e favores e o Legislativo é inoperante e submisso ao Executivo.

Consequêntemente, frente à total leniência  aos problemas do país, as estatísticas acabam registrando milhões de analfabetismo, baixa escolaridade, doença, desemprego, pobreza, violência. E esses dados “revelam problemas vindos dos porões de nossa história mas para os quais a própria democracia leva a exigir solução de curto prazo.” E o autor chama a atenção de que, com isso, “pelo menos três dos cinco presidentes eleitos pelo voto popular após 1945, Getúlio Vargas, Jânio Quadros, e Fernando Collor (como o texto é de 2001, incluo o Lula nessa tríade) possuíam traços messiânicos.”

Em suma, mal e porcamente, desejamos e vivemos sobre a batuta de um Leviatã hobbesiano. Um Estado “instituído quando uma multidão de homens concordam e pactuam, cada um com cada um dos outros, que a qualquer homem ou assembleia de homens a quem seja atribuído pela maioria o direito de representar a pessoa de todos eles, ou seja, de ser o seu representante... É desta instituição do Estado que derivam todos os direitos e faculdades daquele ou daqueles a quem o poder soberano é conferido, mediante o consentimento do povo reunido” (Thomas Hobbes - O Leviatã).


Entregamos nas mãos de uma pessoa nossos direitos para que ela possa fazer o que seja importante para a sociedade. Contudo, nisso funciona precariamente. Pois não respeitamos as leis. Vivemos o que os alemães denominam de “revolta dos fatos contra os códigos”. Ou seja, a norma jurídica tem em mira resolver os problemas atuais e não que esses problemas modifiquem a norma. Adequa-se a norma ao fato, e não o fato a norma. Mas invertemos a ordem. Os fatos adequam-se a norma criando anomalias, como a ocupação irregular, ilegal e, muitas vezes, amparada pelo Poder Público, mas em lugares inadequados.

Respondi?

Bom, para evitar que o próximo verão seja um dejavù de outros, precisamos é de adequar a lei às necessidades atuais. Como? Com os olhos postos no presente, procuraremos reconhecer o significado jurídico da lei e não o significado histórico dela. Assim, não abandonaremos o nosso próprio horizonte, mas o ampliaremos para fundi-lo com o horizonte do texto (ver “Hermenêutica Contitucional” de Gilmar Mendes).

Melhor dizendo, entendendo o meio geológico e antrópico antes de aplicar a Lei de Uso e Ocupação do Solo e outras similares. E teal aplicação deve ser eficaz e eficiente. Caso contrário, os problemas continuarão e aumentarão.

Depois, aplico um exemplo para esclarecer melhor. Escrevi muito por hora e não quero cansá-los.

Texto originalmente publicado na Crise [!].