terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Sobre enchentes e Estado


Não. Recuso-me a afirmar que mais um ano acaba. Acho que é mais adequado e coerente afirmar que mais um ano começa.

E 2010, como os anteriores, iniciou com notícias de enchentes, alagamentos, desabamentos e, infelizmente, mortes de norte a sul do país. Atingindo capitais e interior.

No blog há uma série de textos sobre o assunto. De como urbanizamos mal as cidades. Aliás, mais de 90% do blogue trata dessa questão.

E em alguns textos, abordo especificamente a questão da gestão das águas. E ouvi do governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, afirmou o óbvio ululante, claríssimo, insofismável, gritante que precisamos tratar a questão da ocupação do solo de outra maneira.

2010 é ano eleitoral e, por coincidência,lendo e relendo meus alfarrábios que encontro na arrumação de fim de ano, achei um texto que fala, dentre outras coisas, sobre cidadania.

E no referido texto, José Murilo de Carvalho (cientista político, historiador e “Imortal”), define com explêndida clareza o Brasil: “Inexistem entre nós a forte identidade nacional e a tradição de obediência rígida às leis, típicas da Alemanha. Nosso Estado, apesar de incluir em sua ideologia elementos incorporadores da tradição ibérica, não se cola à nação ou a qualquer tradição de vida civil ativa. Não é um poder público garantidor dos direitos de todos, mas uma presa de grupos econômicos e cidadãos que com ele tecem uma complexa rede clientelista de distribuição particularista de bens públicos”.

“E o que tem haver com alagamentos?”, algum impaciente leitor pode exclamar.

Como bem lembrou o professor José Murilo, vivemos em um país onde a ineficiência do judiciário e a inadequação do sistema policial excluem a maior parte da população do gozo dos direitos individuais. Além disso, a sociedade civil é apática, a imprensa é dúbia, o Executivo é dispensador paternalista de empregos e favores e o Legislativo é inoperante e submisso ao Executivo.

Consequêntemente, frente à total leniência  aos problemas do país, as estatísticas acabam registrando milhões de analfabetismo, baixa escolaridade, doença, desemprego, pobreza, violência. E esses dados “revelam problemas vindos dos porões de nossa história mas para os quais a própria democracia leva a exigir solução de curto prazo.” E o autor chama a atenção de que, com isso, “pelo menos três dos cinco presidentes eleitos pelo voto popular após 1945, Getúlio Vargas, Jânio Quadros, e Fernando Collor (como o texto é de 2001, incluo o Lula nessa tríade) possuíam traços messiânicos.”

Em suma, mal e porcamente, desejamos e vivemos sobre a batuta de um Leviatã hobbesiano. Um Estado “instituído quando uma multidão de homens concordam e pactuam, cada um com cada um dos outros, que a qualquer homem ou assembleia de homens a quem seja atribuído pela maioria o direito de representar a pessoa de todos eles, ou seja, de ser o seu representante... É desta instituição do Estado que derivam todos os direitos e faculdades daquele ou daqueles a quem o poder soberano é conferido, mediante o consentimento do povo reunido” (Thomas Hobbes - O Leviatã).


Entregamos nas mãos de uma pessoa nossos direitos para que ela possa fazer o que seja importante para a sociedade. Contudo, nisso funciona precariamente. Pois não respeitamos as leis. Vivemos o que os alemães denominam de “revolta dos fatos contra os códigos”. Ou seja, a norma jurídica tem em mira resolver os problemas atuais e não que esses problemas modifiquem a norma. Adequa-se a norma ao fato, e não o fato a norma. Mas invertemos a ordem. Os fatos adequam-se a norma criando anomalias, como a ocupação irregular, ilegal e, muitas vezes, amparada pelo Poder Público, mas em lugares inadequados.

Respondi?

Bom, para evitar que o próximo verão seja um dejavù de outros, precisamos é de adequar a lei às necessidades atuais. Como? Com os olhos postos no presente, procuraremos reconhecer o significado jurídico da lei e não o significado histórico dela. Assim, não abandonaremos o nosso próprio horizonte, mas o ampliaremos para fundi-lo com o horizonte do texto (ver “Hermenêutica Contitucional” de Gilmar Mendes).

Melhor dizendo, entendendo o meio geológico e antrópico antes de aplicar a Lei de Uso e Ocupação do Solo e outras similares. E teal aplicação deve ser eficaz e eficiente. Caso contrário, os problemas continuarão e aumentarão.

Depois, aplico um exemplo para esclarecer melhor. Escrevi muito por hora e não quero cansá-los.

Texto originalmente publicado na Crise [!].

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