quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Sobre enchentes e Estado 2

Abaixo está um texto do Engenheiro Geólogo, professor Edézio Teixeira de Carvalho que complementa o que disse no post anterior afirmando que tais desastres como os que ocorreu em Angra dos Reis não é uma "questão de agredir a natureza, mas de escolha urbanística errada".

Na mesma linha do post anterior e dos posts lincados, o professor Edézio salienta que antes de mudar a legislação urbana e ambiental, "engenheiros, urbanistas e geólogos, terão que acabar com a vida fácil de fazer como quer a lei e que reassumam a responsabilidade profissional que devem à sociedade".

Vamos ao texto:

A repetição de Monte Serrat (Santos), Ubatuba, Caraguatatuba; Petrópolis, Rio de Janeiro e Serra das Araras em 1966/67, casos que ultrapassaram em conjunto o milhar de fatalidades, provocando a criação do Instituto de Geotécnica, hoje Fundação Geo-Rio. Crônica que basta atualizar para ficar fiel ao que houve. Em Monte Serrat já houve evento em 1928; excluamos, pois, o aquecimento global dos culpados (aliás conveniente, que dilui culpas, simplifica promessas, distribui encargos vagamente endereçados). Excluo ilhéus que se arrumam como podem à volta de mansões, pousadas, marinas e barcos de pesca. Antes do comentário técnico dou volta ao cenário. Não concentro no Brasil a ira santa contra inoperância de governos e deseducação do povo. Em 2004 o tsunami varreu as costas do Índico e contabilizou 250.000 mortos. O Katrina colocou de joelhos o colosso americano, matou 1200 e feriu de morte o charme de New Orleans. Na Caxemira mais de 50000 morreram num terremoto. É o balanço geológico do impúbere século XXI. Na outra extremidade a gripe aviária em mais de 15 anos tinha levado menos de 200 e a gripe suína, como pandemia, tinha matado menos que a comum. Ninguém provocou o tsunami, promoveu o terremoto, ou deflagrou o Katrina. Os que morreram no Índico apenas estavam expostos, a maioria permanentemente, e a minoria fortuitamente em viagem de turismo; portanto não uma questão de agredir a natureza, mas de escolha urbanística errada; no caso nosso mais a romântica temeridade insuflada pela visão paradisíaca. Aliás, lembram-se das numerosas mortes em rios e cachoeiras no verão passado?

Deslizamentos na serra do mar no Rio tendem a ser mais ruinosos na fachada atlântica. Não é novidade porque ela tem vertentes mais altas que as voltadas para as margens do Paraíba do Sul; sua atividade é evidenciada nos imensos blocos esféricos de rochas ígneas, que rolam, e chapados, gnáissicos, que deslizam até base de suporte que os retenha; florestinha rala indica solo raso; grandes árvores enviam raízes por fendas ocupadas por solos profundos. Cuidado com tais associações, que escondem blocos flutuantes sob a mata.

Não criaria instituições específicas para evitar desastres futuros. Elas tendem a eternizar-se sem esgotar a razão de ser. Se fosse tocar na legislação, imporia trabalho rigorosamente compartilhado entre engenheiros, urbanistas e geólogos, acabando com a vida fácil de fazer como quer a lei para que reassumam a responsabilidade profissional que devem à sociedade. Criaria programas com prazos e metas envolvendo instituições existentes e antes de culpar o povo, ensinar-lhe-ia geologia para que aprenda a conviver com a terra. A revisão de toda a ocupação das serras deve apoiar-se no conhecimento técnico profundo, inspirar-se nas leis da natureza e ser usado para promover drástica revisão de legislação equivocada que impede o livre e comprometido trabalho profissional.


Publicado originalmente no jornal O TEMPO; O.PINIÃO; 06/01/10; p. 19

Nenhum comentário: