"Cara Ana Luiza,
Acredito que as chuvas aí no Rio estejam tão intensas como em São Paulo. No entanto, os estragos por aqui atingem níveis que nos surpreendem pela freqüência e intensidade. Então, escrevo para trocarmos um pouco as nossas impressões.
Pelos links abaixo, você pode ver alguns exemplos, entre ele um ocorrido em Diadema na segunda passada.
O rio transborda em meio à área urbana, “apagando” o chão da cidade. Desaparecem as ruas, canais, calçadas, praças, etc.
Desaparece a urbanidade.
Outros links mostram como essas situações estão se repetindo todos os dias, matando gente, paralisando os deslocamentos e inviabilizando a vida urbana.
Nos morros e várzeas ocupados por habitação popular, a situação se agrava. As mortes por deslizamentos e enxurradas se acentuaram. E mesmo o turismo junto às florestas nos morros já não é mais seguro – veja Ilha Grande.
Pergunto até onde temos, nós arquitetos, alguma responsabilidade nesses desastres.
O vilão inicial, o volume de chuvas, não basta para explicar: janeiro superou em apenas 0,9 mm os 480,5 mm do recorde de 1947. Não há dúvida que as engenharias devem algumas explicações sobre a ineficiência de seus caríssimos dispositivos de macro-drenagem e de estabilização de encostas. Também não basta culpar os “políticos” e o Estado, incapaz de manter as infra-estruturas existentes e de prevenir as ocupações em áreas de risco.
Acredito que devemos repensar aquilo que está na nossa área: o modo de ocupação do território – urbano, rural e natural. Como as formas urbanas atuais dependem das infra-estruturas de canais e arrimos para domar seus rios e morros, hoje está claro que confiamos mais do que devíamos na eficiência dessas técnicas.
A relação entre as cidades e suas águas torna-se agora fundamental para a sua sobrevivência e não se resolve apenas com as engenharias. Eu começaria pensando que é necessária uma nova interlocução da arquitetura com o pensamento ambiental, sempre fraco no urbano, ou melhor, quase anti-urbano. É possível encontrarmos novas formas urbanas que evitem os desastres recorrentes que temos vivido?
Ou você vê outro caminho para iniciar essa reflexão?
Renato Anelli, arquiteto e professor da USP-São Carlos."
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"Surrupiei" a carta do blog Posto 12, da professora Ana Nobre, para complementar a imagem acima, na capa do Jornal Estado de Minas de hoje. Comento em seguida.
No Manifesto, publicado aqui, o professor e geólogo Edézio Teixeira aponta, como descontrole do regime hidrológico nas áreas urbanas, os seguintes fatos evidentes:
- Bloqueio à infiltração pelos telhados, pisos impermeáveis sem cobertura e vias asfaltadas;
- Concentração do escoamento, que retira tempo ao processo de infiltração;
- Substituição das superfícies naturais, rugosas e molháveis, como as das florestas, por superfícies antrópicas lisas e não molháveis (de baixa superfície específica, como os telhados, fachadas e vias asfaltadas).
Para resolver as inundações e enchentes, Edézio afirma que deve ser promovida uma ruptura com o processo de realimentação positiva (sistemas que preveem o escoamento utópico de toda a vazão gerada) substituindo o princípio da vazão prevista (esperada, provável, com recorrência probabilística de 50, 100, 1000 anos) pelo princípio da vazão admissível. Que é concientizar as pessoas e o Poder Público de promoverem formas de conter a água, como a utilização de captação de água de chuva, manutenção de áreas permeáveis...
E esses desastres ocorrem porque construimos nas cidades como se iguais fossem os terrenos, "dado a inexistir qualquer adaptação das tecnologias às peculiaridades locais." Ou seja, ignoramos, ao construir, todos os aspectos do terreno, do entorno, da localidade. Ignoramos que o ambiente foi alterado, ignoramos os aspectos geológicos, sociais. Construimos como no CAD, onde qualquer interferência não acarreta nada.
E reitero: por que fazemos a Linha Verde? Por que tantos viadutos e asfalto? Por que não priorizamos o transporte público? A capacidade já instalada nas cidades?
Em outro post darei continuidade ao assunto debatido e discutido com meus alunos na UNIPAC.
-------------------------------------Post originalmente publicado na Crise [!].
Mas, tendo em vista a importância e a pertinência do assunto, compartilho com os leitores do blog do EI.
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